segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Soneto da Saudade

Eis-me aqui prostrado
Rendido ao teu Império
Desnudo e fustigado
À mercê do teu vitupério

Ouvindo na tua voz um doce fado
Esse mel que me cantas ao ouvido
Essa dependência do Passado
Esse vício do tempo já perdido

Inerte, impotente de acção
Envolto numa névoa cerrada
Desejando, com ardor, a repetição


Daquela crónica há muito desusada
Na esperança de uma nova produção
Daquilo que foi e que agora é nada


Mário Carreiro

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Transe nocturno

Ergo à boca um copo meio baço
Ainda com uma gota de bagaço
E sorvo num sorver já embriagado
Sedento como um alcoólico desesperado

Tudo isto num transe, numa orgia
Narcotizado pela nocturna calmaria
Nesta noctívaga vigília que destroi
O homem e faz nascer o heroi

Que pega a espada e o escudo ufano
Nele regorgita as suas entranhas
E o tange com um sórdido verso profano

Que alude às das musas, as mais estranhas
A quem dou toda a ternura de meu braço
Peço, então, a mim mesmo: mais um de bagaço!


Mário Carreiro

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Que sensação é esta?

Será esta sensação
Apenas uma emoção
Ou terá nela algo de mal?
Algo que seja racional?

Será esta sensação
Apenas uma interrogação?
Uma necessidade de saber
A resposta às dúvidas que vou ter

Será esta sensação
Apenas uma negação?
Negação do meu estado normal
Fugindo àquilo que é real

Será esta sensação
Apenas uma inovação?
Uma trompa que anuncia a nova era
Um sinal que eu há muito perdera

Será esta sensação
Um sinal de que o fim chegou?
De que será reescrito ou apagado
Tudo aquilo que já passou?

E assim, aquele eu de ontem
Contemplando o eu de hoje, perguntou:
Como?
Como é que tudo terminou?


Mário Carreiro

sábado, 23 de outubro de 2010

Introspectiva

Para que serve tudo isto?
Toda esta tribulação sobre algo passageiro
Toda esta angústia sobre algo que é nada
Sobre algo que nunca foi
Toda a expectativa falhada
Toda a esperança infundada
E depois de tudo o mais
Ainda sentes saudades
Como se Aquilo fosse bom vejam só!

Mas porquê?
Mete na cabeça que Aquilo não prestava!
Quem és tu, Mário?
Olha bem para ti
Que ridículo...
Merecias que te dessem um murro
Passas a vida mascarado
De corrector dos males alheios
E não vês os teus males
Aqueles que te corrompem
Aqueles que fazem de ti lixo
Que te reduzem àquilo que és agora
Que te tornam naquilo que criticas
Vê bem no que te tornaste!
Choras por passados que não tinham futuro
Por realidades paralelas
Por "se"s
Onde tudo corre como queres
Onde não há maus nem bons
E todos são heróis
Fazes dessa saudade do futuro a tua droga
Olha para ti, Mário!
Olha para o que és
E não para o que podias ter sido
Olha para o que há à tua volta
Para o mal do mundo
Para o sadismo desportista
Olha para os teus inimigos
E diz-lhes que os amas
Pois são eles que te fazem forte e bom
Esquece aquele tempo
Foi apenas um sonho
Engole a saliva e pisa o passado
Odeia o passado!
Sei que gostas mas tens de o odiar
Senão ficas louco!
Desculpa dizer-te isto assim
Mas não podia conter a angústia que sinto
Ao ver fotografias daquele futuro
Sabes bem que eu estarei sempre aqui

E que eu te amo como nunca ninguém te amará


Mário Carreiro

domingo, 19 de setembro de 2010

Quando el-rei abre a bocarra

Quando el-rei abre a bocarra
Sai baba e escarra
Nem uma palavra torta
Nem uma mosca meio morta
Nem um decreto meio fosco
Nem um piropo mais que tosco
Nem uma gasta expressão
Sai daquela fina dentição
Pois só sai baba e escarra
Quando el-rei abre a bocarra



Mário Carreiro

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Gracco

Houve em tempos alguém
Alto de cabelo escuro
Chamado Gracco, um homem
Que seguia Epicúro

Diziam uns que tinha matado o irmão
Escorraçavam-no e chamavam-lhe cão
Mas Gracco sabia bem que jamais
Mataria homens ou animais

Era expulso de cada cidade
Espancavam, maltratavam
E ele sempre com a mesma serenidade
Aceitava os castigos que lhe davam

Quando, por vezes, o encarceravam
E ao ritmo dum chicote o interrogavam
"Quem és? donde vens? porque és tão imundo?"
E Gracco respondia "sou Gracco e minha casa é o mundo"

E apesar dos castigos imensos
De ser açoitado nas ágoras
De ser lançado nos bosques densos
Gracco era um homem sem mágoas

Nunca se tinha apaixonado
Nunca a prazeres se tinha dado
Rejeitara todas as humanas paixões
E nunca mostrava emoções

Pelas cidades onde passava
Dormia nas praças e mercados
Do nascer ao pôr-do-sol ensinava
A sua filosofia aos mais desocupados

Um menino sentou-se aos seus pés
E perguntou "tu quem és?"
E Gracco respondeu sereno e profundo
"Sou o homem mais rico do mundo"

E o pequeno menino disse
"Rico é o Rei de Roma
Rico de verdade que eu visse
Que para si toda a riqueza toma"

E Gracco respondeu com firmeza
"A sabedoria é a maior riqueza
O Rei só vive num palácio dourado
Mas olha para mim! Posso viver em qualquer lado!"

Ao que o pequeno concluiu
"Então ser rico é saber"
E na sua mente diluiu
O que acabara de aprender

"O ouro? podem-te roubar
As terras? podem-te conquistar
Mas a sabedoria jamais te vão tirar"
E olhando para o menino, Gracco diz
"Eu sei e sou feliz"



Mário Carreiro

terça-feira, 11 de maio de 2010

Há falta

Há falta de novidade
Tudo ainda se mantém
E finge que está tudo bem
Tudo se pega à velha verdade
Nada se altera da confiança
Tudo degenera da mudança
Para manter a integridade

Há falta de força, há falta de vontade
Caídos, moribundos pelo chão
Há corpos dormentes de acção
Seduzidos pela gravidade
Há um sono profundo na platea
Há quem já não tenha sangue na veia
Há quem já não tenha criatividade

Há falta de contrariedade
De algo que desafie a Física,
A Lógica (essa velha tísica)
E a própria Realidade
Há falta de uma combustão
Que provoque a locomoção
De toda uma sociedade

Há falta de motricidade
Há falta de uma explosão
Que acorde a multidão
Desta plácida artificialidade
Há falta do que tu bem sabes
Há falta de quem diga "somos capazes!"
E que sejam capazes de verdade



Mário Carreiro

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Tirano jaz morto!

O Tirano jaz morto!
Caído na sombra do seu trono
Seu corpo aberto como o de Crono

O Tirano jaz morto!
Apunhalado, ensanguentado
Moribundo nas escadas do Senado

O Tirano jaz morto!
Que Julho não seja mais Julho
Que nas Calendas haja entulho

O Tirano jaz morto!
Embriagado pelo Triunfo
Morto pelo seu trunfo

O Tirano jaz morto!
Com areia africana nas sandálias
E a toga manchada pelo sangue das Gálias

O Tirano jaz morto!
O Povo está livre!
E a Res Publica vive!

O Tirano jaz morto!



Mário Carreiro

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Parabéns para o Clube do Gato Bebado


Hoje, dia 26 de Fevereiro de 2010, o CGB comemora o seu 2º aniversário. Já lá vão dois anos desde a sua lendária fundação no fim de tarde do dia 26/02/2008. Contamos actualmente com 11 membros. Menos que no anterior aniversário mas tratam-se de membros mais activos. Como qualquer Organização requer isso mesmo - organização - e por vezes há algumas discordâncias que acabam por se resolver. Mas no fim de tudo, a existência do Clube ao fim de dois anos demonstra já uma certa coesão e solidez do mesmo. Muitos mais anos virão e VIVA O CLUBE DO GATO BEBADO!!!!


Em nome do Clube do Gato Bebado,

Mário Carreiro

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Poema do Louco Apaixonado

Ora, que posso eu dizer
sem nada perder
quando meu amor entender
que raio estou para aqui a escrever

Oiço a chuva a cair
enquanto escrevo para ela
mas tudo irá ruir
quando me acertares com uma panela

este louco sentado
sem nada para fazer
além de ouvir certo fado
e este sentimento descrever

"Porque raio?" pergunto eu
descrever este calor
que começa com carinho teu
passando a amor

"é tudo que sabes escrever?
não tens mais nada a dizer?"
"Mas qual o mal.
de ser um poeta sentimental?"

"Gostas tanto da moça,
dizes que só a queres amar...
Deixai ir tal carroça
que o mal dela é querer trabalhar"

"Meu senhor,
mas que mal tem
demonstar meu amor
por tal e formosa jovem?"

"Apenas te dou um aviso
tem cuidado meu rapaz
não celebres com tamanho riso
ou tudo perderás"

"Isso não é preocupante
a vida muito me ensinou
tome mas é um calmante
pois até o poeta cantou:
Deixai passar o temporal,
pois quem tu amas afinal
ao teu lado sempre esteve
e sua palavra manteve"


Mário Ilhéu