terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Não a amarás

Teu jeito simples e honesto
Meu jeito alto e grandioso
Teu olhar pálido e modesto
Meu ego lato e sonoroso

Teu cabelo longo e moreno
Minha barba de aço
Tu num movimento sereno
Eu num andar de couraço

Teu rosto pacífico e plano
Minha face redonda e cansada
Teus lábios de etéreo Úrano
Minha língua certa e afiada

Tu a quereres viver só
Eu a desejar um pedestal
Tu sentindo pena e dó
Eu a pensar só no mal

Tu procurando aprazível existência
Eu vivendo em eterna contenda
Tu ignorando toda a essência
E desejando apenas a minha emenda

Eis-me aqui já derrotado
Onde meu braço já não ergue
Meu peito aberto ao triste fado
"Não a amarás" assim se pregue



Mário Carreiro

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Infinito

Um passo
Dois passos
E ali estavas tu
De costas para mim
E eu estava nu
Da minha segurança e garantia
Numa inconsistência doentia

E tu num eterno movimento
Numa velocidade infinita
Cada instante era o seguinte momento
Cada ponto era a seguinte estadia
Tudo num vector de afastamento
Que se afastava do meu corpo
E se Aproximava do meu pensamento

Corpo
Pensamento
Ambos viajando ao infinito
Um, a imagem do real
Outro, a realidade da imagem
Cada vez mais longínquos
Dispersos, vagueando
Em mares de propano
Incandescentes, voláteis
Extensos, retrácteis

Comigo, insano, repetindo:
"Eu sou igual a Eu"
Qual encéfalo bovino
Na vã expectativa
De manter a identidade

Eis que te somes pelo vácuo
Corpo e pensamento
Perdem a última velocidade
Unem-se no ponto de sanidade
Voltando à concepção do natural

São estes os movimentos incessantes
Que me provocas em poética prosa
Sempre em mutações constantes
Quando te vejo de relance
Vejo pixéis de hipóteses
E átomos de nada



Mário Carreiro

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Metarreal

Ó Sono! Ó grande Sono!
Que me fazes chorar
Nem sequer me deixas pensar
Em ti, tão grande que és, ó Sono!

Ora luz, ora escuridão
Vejo estáticas pinturas em sucessão
Umas de batalhas em ascensão
Outras de amor e traição
(Uma muito sóbria opção...)
E vejo-as em pálidas e paradas
Crónicas antigas, consagradas
Com damas, varões e cidades arrasadas

E assim, neste pródigo calabouço
Já sem potência vectorial
Crio, em papel, um pequeno esboço
Da minha transcendência do real


Mário Carreiro